Você sabia... que os artigos
definidos portugueses provêm de pronomes demonstrativos
latinos? Pois é... Vejamos como isso se passou.
No padrão
formal do latim culto (expressão escrita do latim
erudito ou “clássico”), havia as formas
pronominais ĭlle, ĭlla, ĭllud
(aquele, aquela, aquilo), para o caso nominativo singular
do masculino, feminino e neutro. Pois bem: sabemos que a maioria
dos vocábulos portugueses origina-se do caso acusativo,
de sorte que o que recebemos do latim e que se transformou
nos artigos definidos proveio das flexões ĭllum/ĭllos
e ĭllam/ĭllas (masculino singular e plural
e feminino singular e plural). A esta altura, você pode
estar-se perguntando: ué, mas por que pronome demonstrativo
deu origem a artigo em português? Pela simples razão
de esse uso já estar ocorrendo no latim vulgar, isto
é, na modalidade popular e mesmo na coloquial
(da língua culta), onde já havia caído
o “m” final. Assim, tivemos, ainda no latim, ĭllu
e ĭlla, no acusativo singular. Como o ĭ
(“i” breve) latino resultou em português
quase sempre em “e”, além de na escrita
a consoante dupla “ll” ter-se reduzido a “l”,
os estudiosos supõem terem existido as formas –
não-documentadas – elo, ela,
elos e elas.
Acontece que elo e ela e seus plurais muitas
vezes localizavam-se, na frase, entre palavras. Como nessa
condição tornavam-se átonas, acabaram
perdendo a vogal inicial ainda no latim vulgar, resultando
em lo, la, los, las. A
posição intervocabular favoreceu a continuidade
das transformações: em situações
como em “todo lo campo” e “vi
la casa”, a tendência generalizada
foi a queda do “l”: “todo o campo”
e “vi a casa”. A presença imediatamente
anterior de flexões verbais terminadas em vogal, de
preposições como a, de e para,
de todo/toda contribuiu para tal queda. A combinação
da preposição per com lo fez
com que /r/ se assimilasse, isto é, se identificasse
com /l/ e disso resultasse pello. A simplificação
dos “ll” deu o atual pelo (por + o).
A princípio, essas formas evoluídas ocorriam
apenas em posição intervocabular, mas depois
se irradiaram para início de frases: “O
campo é bonito” e “A casa
está cheia”.
O fato de a evolução do artigo estar intimamente
ligada à ocorrência de vogal ou de consoantes
finais como “r”, “s” e “n”
de palavras precedentes faz-nos supor que ele se modificou
especialmente em decorrência da localização
freqüente entre sílabas tônicas ou próximo
delas, como em “amei o filho”
e “todo o amor”
(WILLIAMS, 1975). Note também que a evolução
dos pronomes demonstrativos, alguns dos quais desembocaram
nos atuais “o, a, os, as” (como em pintei-o,
cortei-a), ajudou a transformação
do artigo em virtude da identidade fônica. Observe ainda
a sobrevivência de formas arcaicas, como “cortá-lo”
e “beijá-la”.
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