Você sabia? n.º 78 - Sexta, 31.10.2003
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Você sabia... que a tendência de certos ditongos reduzirem-se em português a uma só vogal remonta ao latim? No latim vulgar, o ditongo au, por exemplo, já era pronunciado “o” pelo povo em geral, inclusive pelas pessoas cultas. A história registra que o imperador Vespasiano foi corrigido por Méstrio Floro ao pronunciar “plostrum”, quando deveria dizer plaustrum (tipo de carruagem). Algumas formas evoluídas estão documentadas, outras não, como aurícula > oricla > orelha, claustrum > clostrum > claustro, fauce > *foce > foz, laudat > *lodat > loa, paupere > *popere > pobre. As que se supõe haverem existido, mas das quais ainda não há documentos estão assinaladas com *.

No padrão culto formal, o “au” latino passa a “ou” em português. No século X, ainda no período do romanço, encontram-se documentos em que esse ditongo já aparece. Assim, temos amauit > amaut > amou, audire > ouvir, auru > ouro, causam > cousa, laudare > louvar, lauru > louro, paucu > pouco, pausare > pousar, raucu > rouco, tauru > touro, thesauru > tesouro.

Quando “au” átono iniciava palavra e a sílaba tônica continha “u”, o ditongo perdia essa vogal: auguriu > *aguriu > agoiro, augustu > agustu > agosto, auscultare > ascultare > ascuitar (arc.) > escutar.

Na língua oral, o ditongo “ou” começa a perder a semivogal provavelmente a partir do século XVI. A tendência à redução a vogal única continua, tanto no registro popular como no culto: couro > coro, louro > loro, ouro > oro (cf. o espanhol oro, moro, toro), rouba > róba, tesoura > tisora, touro > toro. Essa tendência verifica-se também no ditongo “eu”: Eurípedes > Oripes, Eulália > Olália. Em nossos falares regionais, sobrevivem várias formas arcaicas, como sodade, certamente exemplo da redução do ditongo “oi” de soidade (arc.), provável variante de soudade.

“Era a qualidade consonantal do segundo elemento do ditongo au ou de seu sucessor ou que algumas vezes evitava a sonorização da consoante medial seguinte, e. g., paucu > pouco; raucu > rouco, cautu > couto.” (WILLIAMS, 1961: 43)


Leia mais em:
Do latim ao português, de Edwin B. Williams, §§ 33 e 40.
Gramática histórica, de Ismael de Lima Coutinho, § 153.