Você sabia... que o romance ou romanço lusitânico
foi a forma lingüística de transição falada na Lusitânia na
alta Idade Média? Depois da invasão e domínio da Península
Ibérica, particularmente da Lusitânia (atual Portugal), pelos
bárbaros – em sua maioria, povos germânicos que se opunham
à “globalização” romana –, as escolas dessa região foram quase
todas destruídas; a elite, que cultivava a língua erudita,
desapareceu e o latim ali falado foi deixado à própria sorte.
A partir daí, a transformação da língua acelerou-se, tanto
em razão do substrato, isto é, da influência que línguas ibéricas
pré-romanas já exerciam desde a romanização, como do superstrato,
ou seja, da influência que as línguas germânicas exerceram
sobre o latim. Isto aconteceu principalmente pelo fato de
os novos conquistadores quererem aprendê-lo, mas o fazerem
com sotaque, além das contribuições lexicais
que incorporaram ao latim lusitânico. Depois de alguns séculos,
a língua falada naquela região não era mais propriamente latim,
mas ainda não era nenhum idioma distinto. Essa língua de transição
– o romance, latim
vulgar bastante modificado – possivelmente existiu
do século V ao IX, quando já se encontram palavras vernáculas
em textos escritos em latim bárbaro (o latim dos monges copistas
dos mosteiros da Idade Média, exclusivamente escrito). Somente
textos do século XII é que serão redigidos inteiramente em
português ou, mais propriamente, no dialeto galaico-português,
modalidade lingüística comum à Galícia (hoje província do
extremo noroeste da Espanha) e a Portugal, predecessor imediato
da língua portuguesa. Surgiram outros romances em outras partes
do império, como o galo-romance, na atual França, e o daco-romance,
na Dácia, atual Romênia.
Texto em latim bárbaro (ano de 874) – Escritura de doação
“Fofino, Gaton, Astrilli, Arguiru, Vestremiru, Guinilli
et Aragunti placitum facimus inter nos, unus ad alios, per
scripturam firmitatis, notum die quod erit IIIº nonas Apritis
era DCCCCª XIIª, super ipsa eclesia et super nostras hereditates, quantas
habuerimus et ganare potuerimus usque ad obitum nostrum, que
non habeamus licentiam super illas nec uindere, nec donare,
nec testare in parte extranea, nisi unus ad allios aut ad
ipsa eclesia uocabulo Sancti Andree Apostoli. Et qui minima
fecerit, et istum placitum excesserit, pariet parte de
que isto placito obseruauerit X boues de XIIIm XIIIm modios,
et iudicato. Nos pernominatos in hoc placito manus nostras
ro +++++++ uoramus.
Pro test.: Oliti test., Tramondu test., Arguiru test. Menendo
notuit.”
(Extraído de VASCONCELLOS, 1959: 9.)
Observe a conjunção integrante “que” (segunda linha)
e o trecho “parte de que isto” (quarta linha), totalmente
com forma portuguesa.
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