Você sabia? n.º 37 - Sexta, 24.08.2001
www.paulohernandes.pro.br
 
     
 
 

Você sabia... que o romance ou romanço lusitânico foi a forma lingüística de transição falada na Lusitânia na alta Idade Média? Depois da invasão e domínio da Península Ibérica, particularmente da Lusitânia (atual Portugal), pelos bárbaros – em sua maioria, povos germânicos que se opunham à “globalização” romana –, as escolas dessa região foram quase todas destruídas; a elite, que cultivava a língua erudita, desapareceu e o latim ali falado foi deixado à própria sorte. A partir daí, a transformação da língua acelerou-se, tanto em razão do substrato, isto é, da influência que línguas ibéricas pré-romanas já exerciam desde a romanização, como do superstrato, ou seja, da influência que as línguas germânicas exerceram sobre o latim. Isto aconteceu principalmente pelo fato de os novos conquistadores quererem aprendê-lo, mas o fazerem com sotaque, além das contribuições lexicais que incorporaram ao latim lusitânico. Depois de alguns séculos, a língua falada naquela região não era mais propriamente latim, mas ainda não era nenhum idioma distinto. Essa língua de transição – o romance, latim vulgar bastante modificado – possivelmente existiu do século V ao IX, quando já se encontram palavras vernáculas em textos escritos em latim bárbaro (o latim dos monges copistas dos mosteiros da Idade Média, exclusivamente escrito). Somente textos do século XII é que serão redigidos inteiramente em português ou, mais propriamente, no dialeto galaico-português, modalidade lingüística comum à Galícia (hoje província do extremo noroeste da Espanha) e a Portugal, predecessor imediato da língua portuguesa. Surgiram outros romances em outras partes do império, como o galo-romance, na atual França, e o daco-romance, na Dácia, atual Romênia.

Texto em latim bárbaro (ano de 874) – Escritura de doação

 “Fofino, Gaton, Astrilli, Arguiru, Vestremiru, Guinilli et Aragunti placitum facimus inter nos, unus ad alios, per scripturam firmitatis, notum die quod erit IIIº nonas Apritis era DCCCCª  XIIª, super ipsa eclesia et super nostras hereditates, quantas habuerimus et ganare potuerimus usque ad obitum nostrum, que non habeamus licentiam super illas nec uindere, nec donare, nec testare in parte extranea, nisi unus ad allios aut ad ipsa eclesia uocabulo Sancti Andree Apostoli. Et qui minima fecerit, et istum placitum excesserit, pariet parte de que isto placito obseruauerit X boues de XIIIm XIIIm modios, et iudicato. Nos pernominatos in hoc placito manus nostras ro +++++++ uoramus.
Pro test.: Oliti test., Tramondu test., Arguiru test. Menendo notuit.” 
(Extraído de VASCONCELLOS, 1959: 9.)

Observe a conjunção integrante “que” (segunda linha) e o trecho “parte de que isto” (quarta linha), totalmente com forma portuguesa.


Leia mais em:
Gramática histórica, de Dolores Garcia Carvalho e Manoel Nascimento.
Gramática histórica, de Ismael de Lima Coutinho.
Textos arcaicos, de José Leite de Vasconcellos.

o0o