Você sabia? n.º 52 - Sexta, 10.05.2002
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Você sabia... que a sonorização de consoantes surdas intervocálicas foi fenômeno muito comum na passagem do latim para o português? Sonorização é a mudança fonética que consiste na troca de consoante surda pela sua homorgânica sonora.  As surdas que se sonorizam e suas correspondentes sonoras são /p/ > /b/, /t/ > /d/, /k/ > /g/, /s/ > /z/ e /f/ > /v/. Com efeito, temos inúmeros exemplos documentados dessa ocorrência, como abaixo:

Latim
capio
apicula
sapere
civitate
lutum
cito
formica
dico
caecu
acetu
causa (*)
rosa   (*)
profectu
aurifice
Stephanu    
Português
caibo
abelha
saber
cidade
lodo
cedo
formiga
digo
cego
azedo
coisa
rosa
proveito
ourives
Estêvão

_________________________
(*) A  letra “s” aí representa /s/, tanto é que o latim rosa resultou rossa em italiano e rosa (pronunciado “rôssa”) em espanhol. Em português, essa letra, em posição intervocálica, representa /z/, como nos exemplos acima e em casa, mesa, uso, etc.

Quando a sonorização não ocorreu, alguma causa atuou, como, por exemplo, a vizinhança de /w/, presente em ditongos, e a origem erudita do vocábulo. Assim, em paucu > pouco e raucu > rouco, o /k/ manteve-se pela proximidade de /aw/. O /s/ de recente é erudito (do lat. recentem). Em defesa, o /f/ permaneceu pela origem semi-erudita da palavra (do lat. defensa), já que a evolução produziu devesa. O /s/ em receber foi mantido porque provavelmente os falantes consideraram a sílaba “re” como prefixo e sentiram a palavra como composta (re + ceber), situação em que o /s/ seria hipoteticamente inicial e não, medial.  

Em vários casos, após a transformação /p/ > /b/, houve mudança de /b/ para /v/, como em populu > poboo > povo e scopa > scoba > escova. Essa mudança é tendência da língua,  como vemos no lat. cabalu > cavalo e lat. faba > fava. Ela ainda permanece, principalmente na língua popular, na forma da alternância entre /b/ e /v/, como em assoviar > assobiar, vassoura > “bassora”, travesseiro > “trabissero”, varrer > barrer, etc.  Tal fenômeno atingiu também vocábulos de origem indígena, como as formas evolutivas capibara > capivara e capuaba > capuava e as alternativas piaba ® piava, boçoroca ®  voçoroca e elementos de composição, como -tuba ® -tuva (Piratuba, Boituva) e outros.

Leia também em:
Gramática histórica, de Ismael de Lima Coutinho.
Gramática histórica, de Dolores Garcia Carvalho e Manoel Nascimento.
Do latim ao português, de Edwin B. Williams.

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