Você sabia? n.º 44 - Sexta, 04.01.2002
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Você sabia... que a sílaba tônica das palavras latinas tendeu a permanecer assim nas portuguesas? Pois é, essa tendência constitui uma das leis fonéticas, a lei da persistência da sílaba tônica. Isto se explica em virtude de o acento tônico impor inflexão de voz mais demorada àquela sílaba, o que certamente fez com que ela resistisse, ou seja, não sofresse queda e ainda continuasse a mais forte. Assim, temos:
Latim
aqua
lutu
civitate
persicum
timidu
Português
água
lodo
cidade
pêssego
mido
Houve, porém, muitos casos em que essa lei não prevaleceu e o acento tônico alterou-se, boa parte deles ainda no latim vulgar, do qual o português herdou a acentuação fonética. A não-prevalência da lei da persistência da sílaba tônica deve-se a causas fonéticas, morfológicas e analógicas. Vejamos sucintamente cada uma delas:
· Causas fonéticas – O latim vulgar tendeu a evitar o hiato existente nas palavras do latim erudito (clássico), como aquelas em que o “i” ou “e” tônicos eram seguidos de vogal. Isto ocorreu com o deslocamento do acento tônico para a segunda vogal, que acabou permanecendo até chegar ao português: mulíere > muliére > mulher (com apócope do “e”), paríete > pariête > parede. No latim erudito, vogais seguidas de grupos consonantais formados por consoantes oclusivas + alveolares eram geralmente átonas, que se tornaram tônicas no latim vulgar e assim permanecerem no português: íntegru > intêgru > inteiro, tênebras > tenébras > trevas (continuaram paroxítonas no português). Evidentemente, os acentos gráficos aqui colocados nas palavras latinas servem apenas para indicar a vogal tônica e seu timbre.
· Causas morfológicas – No latim vulgar, houve o deslocamento do acento tônico existente no latim erudito nos vocábulos compostos quando o falante tinha consciência da composição, em virtude de o segundo elemento conter a idéia principal. Assim, rênego (re + nego) > renégo > renego, rêvoco (re + voco) > revóco > revogo (permaneceram paroxítonas no português).
· Causas analógicas – A analogia é força transformadora poderosa, como já vimos no Você sabia? n.º 5. Também no deslocamento do acento tônico ela atuou, como no caso das conjugações verbais. Os verbos da terceira conjugação do latim erudito (com terminação em ĕre) identificaram-se, no latim vulgar lusitânico, com os da segunda conjugação (com terminação em ēre), de forma que aquela acabou por desaparecer. Assim, fácere > facêre > fazer, sápere > sapêre > saber (ambos com apócope do “e”). A força analógica também agiu sobre alguns verbos da segunda conjugação latina erudita, que passaram para a quarta no latim vulgar, e sobre a primeira e segunda pessoas do plural de certos tempos do indicativo e do subjuntivo. Na passagem para o português, mantiveram-se as formas tônicas do latim vulgar.  

Leia mais em:
Gramática histórica, de Ismael de Lima Coutinho, p. 148 e segs.
Saite do prof. Paulo Hernandes, pág. Glossário Gramatical, verbete “Analogia”.

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