Você sabia? n.º 29 - Sexta, 04.05.2001
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Você sabia... que a etimologia popular é relacionada à analogia? Bem, primeiramente, decodifiquemos o sentido daquela expressão técnica. "Etimologia popular" é o fenômeno que consiste na transformação de palavras ou expressões em virtude da percepção equivocada, por parte dos falantes, de relação etimológica com outros vocábulos ou locuções parecidas, mas sem vínculo entre si. Essas formas cruzadas, geralmente surgidas na língua popular, acabam muitas vezes se impondo também na língua culta. Assim, cincoenta, paralela a cinqüenta (do latim "quinquaginta"), formou-se por suposta derivação de "cinco" e floresta, oriunda do antigo francês "forest" (atual "forêt") surgiu por analogia com "flor". (Há registros no português arcaico de foresta, furesta e froresta.) Outros exemplos de etimologia popular são:

· Araruta - Conta-se que os estivadores do cais, ao descarregarem sacos da farinha, ouviam o nome inglês arrow root (raiz de arco), que lhes soava como "araruta", que acabou prevalecendo.
· Caminhão - O francês camion entrou na língua no final do século XIX como "camião" e este resultou depois em "caminhão", por provável analogia com "caminho". Entretanto, a possibilidade de nasalização da vogal "i" por influência dos fonemas nasais vizinhos /m/ e /ã/ não deve ser descartada.
· Chaminé - O francês cheminée proveio do latim caminata e este, por sua vez, de caminus = forno, forja. A forma francesa, muito provavelmente pelo processo analógico, sofreu influência de chemin [caminho (da fumaça)] e, no português, a analogia fez-se com "chama" (da fornalha).
· Cuspido e escarrado - Essa expressão, que significa "tal qual, sem tirar nem pôr", é resultado de analogia com esculpido em carrara (ou mármore de Carrara, Itália).
· Contradança - Origina-se da expressão inglesa country-dance (dança rural).
· Forró - Embora autores considerem-na forma reduzida de "forrobodó" (baile popular, confusão), outros atribuem sua origem à pronúncia inglesa "for all", designação de antigos bailes populares promovidos por empresários estrangeiros no Nordeste do Brasil.
· OK, caboclo! - Nos terreiros de umbanda, a saudação a Oxossi ou aos seus caboclos é oquê!, oquê, caboclo! ou oquê, arô! (do iorubá oke, aquele que grita), mas muitos adeptos fazem analogia com a expressão inglesa, extremamente popularizada, okay, também grafada OK.
· Tiago - Resultante da transformação de Santo Iago em San Tiago, por perceber-se equivocadamente o "t" como pertencente ao nome Iago. Como a palavra designativa de santo geralmente usada antes de antropônimos era "são", ela passou a substituir "santo", o que resultou em São Tiago ou Santiago.
· Tubo de raios católicos - O dispositivo chamado cinescópio (componente de televisores) também é chamado tubo de raios catódicos (de "catodo", eletrodo negativo). Entretanto, o vulgo, desconhecedor do vocábulo catódico, ouve-o na expressão como católico, este, sim, conhecido.
· Vagamundo - Forma paralela de vagabundo (do latim vagabundus), registrada desde o século XVI. Percebe-se influência de "mundo", ou seja, os falantes interpretaram a palavra como "aquele que vaga pelo mundo".

As palavras, expressões ou frases estrangeiras estão muito sujeitas às adaptações populares, pois, por incompreensíveis, logo o povo encontra similares no léxico português e toma uma forma pela outra.

Leia mais em:
Dicionário gramatical da língua portuguesa, de Celso Pedro Luft.
Dicionário de Lingüística, de Zélio dos Santos Jota.
Dicionário de questões vernáculas, de Napoleão Mendes de Almeida.
Gramática histórica, de Ismael de Lima Coutinho (capítulo "Analogia").

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