Você sabia? n.º 26 - Sexta, 23.03.2001
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Você sabia... que há antônimos que podem ser sinônimos?

Esquisito, não? Pois é... mas isso existe. Vamos, porém, por partes. Primeiramente, comentemos a respeito de antônimos e sinônimos. Como sabemos, antônimos são vocábulos que, em determinado contexto, têm significados opostos. Essa relação pode estar manifestada no texto ("Ao invés de ficar calado, desandou a falar pelos cotovelos") ou latente, virtual ("A sopa está quente". Poderia estar fria. A menção a quente remete à possibilidade da ocorrência do seu oposto.) Observemos que a relação opositiva de dois termos em um contexto pode não se verificar em outro. Assim, em "Ele cometeu falta grave", o antônimo de grave é leve. Já em "O semblante do bispo era grave", o antônimo de grave não é leve, mas alegre ou descontraído. Em "O instrumento emitiu som grave", o antônimo não é mais alegre, mas agudo. O mesmo vale para os sinônimos. Sinônimos são palavras que, em determinado contexto, podem ser comutadas, isto é, trocadas uma pela outra sem alteração do sentido da frase. Assim, em "O duque tinha o coração empedernido", podemos comutar empedernido por endurecido e o sentido da frase permanece o mesmo. Contudo, em "A doença deixou o pescoço dela endurecido", não se pode fazer a troca por empedernido. Na frase "A Aerobrax é empresa aérea", podemos substituir aérea pela expressão de aviação. Já em "Depois do expediente, é natural que Margareth fique meio aérea", essa substituição não é possível.

Pois bem. E quanto ao antônimo de um vocábulo poder ser empregado como sinônimo, ou seja, ser capaz de substituí-lo em uma frase sem que o sentido desta não sofra alteração? Será isso possível? A resposta é afirmativa. Vejamos: normalmente, o antônimo de entrar é sair. Assim, "Entrar em casa" e "Sair de casa" são ações opostas. Mas "Sérgio entrou em férias" tem o mesmo sentido de "Sérgio saiu em férias". A frase "Quantas coisas ele faria se ainda estivesse vivo..." equivale perfeitamente a "Quantas coisas ele não faria se ainda estivesse vivo...". Se alguém lhe pergunta "Você pode passar-me essa cadeira?" e você concorda, responde: "Pois não", que, na verdade, quer dizer "Posso, sim". Por outro lado, se um espertinho propõe-lhe: "Você aceita ser meu fiador e, se eu não puder pagar, você paga e qualquer dia desses a gente acerta as contas?", seguramente, você responderá: "Pois sim...", que significa exatamente "Não aceito isso". Vida e morte constituem outro par de antônimos, mas nas expressões "Risco de vida" e "Risco de morte" são sinônimos. Quando digo que se deve "reduzir ao máximo o tempo fora da geladeira de certo produto", quero exatamente dizer que "se deve reduzir ao mínimo o tempo fora da geladeira desse produto", não obstante "máximo" e "mínimo" terem significados opostos. Se, após pescaria frustrada, em vez de dizer "Não consegui peixe algum", eu disser "Não consegui peixe nenhum", estarei querendo dizer a mesma coisa, ainda que algum e nenhum sejam considerados antônimos. Finalmente, se digo que um amigo meu licenciou-se do trabalho para "tratamento de saúde", também posso dizer que ele se ausentou para "tratamento de doença" e a frase terá o mesmo sentido.

Uma análise semântica revelará o porquê desse fenômeno. Por exemplo, em entrar em férias, a idéia é "entrar em gozo das férias, começar a desfrutá-las", ao passo que sair em férias deixa subentendida a saída do local de trabalho para descanso por certo período. Em risco de vida, está implícito o risco de perder a vida, ao passo que em risco de morte subentende-se o risco de encontrar a morte. Percebe-se então que a relação antonímica expressa fica neutralizada e outra oposição, subjacente, manifesta-se. No primeiro caso, a nova oposição que emerge não é a entre entrar e sair, mas entre descanso e trabalho. No segundo, a dicotomia não se estabelece entre vida e morte, mas entre perder e encontrar. Na oposição máximo vs. mínimo, nos exemplos apresentados, fica evidente que "ao máximo" está-se referindo a "reduzir", ao passo que "ao mínimo" se refere ao "tempo fora da geladeira". Algum tem sentido negativo quando posposto ao substantivo e equivale justamente a seu oposto, nenhum; anteposto, assume sentido positivo, equivalente a "um, qualquer".

Não encontrei na bibliografia disponível sobre sinônimos e antônimos algo parecido com este tema. Se você souber onde localizar, por favor, avise-me.

Leia sobre antônimos e sinônimos em:
Iniciação à Semântica, de Maria Helena Duarte Marques, p. 95.
Novíssima gramática da língua portuguesa, de Domingos Paschoal Cegalla.
Semântica, de Rodolfo Ilari e João Wanderley Geraldi, p. 41.

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