Você sabia? n.º 13 - Sexta, 20.10.2000
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  Você sabia... qual é o documento mais antigo escrito em língua portuguesa já encontrado? É poema de amor, conhecido por "Cantiga da Ribeirinha" ou "Cantiga da Guarvaya". Os estudiosos datam-no de 1189 ou 1198, razão por que, oficialmente, considera-se o português surgido no século XII. O poema, de autoria de Paio Soares de Taveirós, foi dedicado a D. Maria Paes Ribeiro - apelidada "A Ribeirinha", amante do rei D. Sancho I - e pertence a uma coleção de textos arcaicos denominada Cancioneiro da Ajuda. Ei-lo:

  No mundo non me sei parelha1,
mentre2 me for' como me vay,
ca3 já moiro por vos - e ay!
mia senhor4 branca e vermelha,
queredes que vos retraya5
quando vus eu vi en saya!
Mao dia me levantei,
que vus enton non vi fea6!
E, mia senhor, des aquel di'ay!
me foi a mi muyn mal,
e vos, filha de don Paay
Moniz, e ben vus semelha7
d'aver eu por vos guarvaya8,
pois eu, mia senhor, d'alfaya
nunca de vos ouve nen ei
valia d'űa correa.
1 parelha = igual, semelhante.
2 mentre = enquanto, entrementes. Essa forma arcaizou-se, isto é, caiu em desuso, mas o espanhol manteve a forma antiga mientras.
3 ca = pois, porque. Enquanto ca também se arcaizou, o francês manteve car até hoje, com o mesmo significado.
4 senhor = senhora. Por essa época, usava-se na poesia a palavra "senhor" referindo-se indistintamente ao homem e à mulher.
5 retraya = retrate, evoque.
6 que vus enton non vi fea. Aqui o autor valeu-se de uma figura de linguagem - mais exatamente, figura de pensamento - conhecida por litote, que consiste na atenuação de uma idéia através da negação do seu oposto. Dessa forma, "não vi feia" equivale a "vi bonita".
7 semelha = parece.
8 guarvaya = manto escarlate próprio dos reis.

Observe que, enquanto muita coisa mudou, várias palavras são exatamente as mesmas, na forma e no significado, há mais de 800 anos.

Leia mais sobre textos arcaicos em:
Antologia arcaica, de Francisco da Silveira Bueno.
Gramática histórica, de Dolores Garcia Carvalho e Manoel Nascimento.
Gramática histórica, de Ismael de Lima Coutinho.
Textos arcaicos, de José Leite de Vasconcellos.

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