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Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói e não se sente;
é um contentamento descontente;
é dor que desatina sem doer.

É um querer mais que bem-querer;
é solitário andar por entre a gente;
é um não contentar-se de contente;
é cuidar que se ganha em se perder.

É um estar-se preso por vontade,
é servir quem vence o vencedor,
é ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode o seu favor
nos mortais corações conformidade,
sendo a si tão contrário o mesmo Amor?

Luís de Camões

Atente para os vários paradoxos, como “fogo que arde sem se ver”, “ferida que dói e não se sente” e “contentamento descontente”.

No primeiro terceto, note como ficam o segundo e o terceiro verso na ordem direta: “é o vencedor servir quem (ele) vence” e “é ter lealdade com quem nos mata”. Repare o duplo paradoxo aqui: “ter lealdade com alguém que nos mata”. Primeiro, seria comportamento inusual. Segundo, se alguém nos mata, não podemos fazer mais nada, inclusive ter lealdade. Assim, devemos atribuir sentido metafórico ao verbo “matar” aí.

No último terceto, entendamos “mortais corações” como o poeta e sua amada. “Causar conformidade” significa produzir concordância.