Grafia e flexão
de adjetivos pátrios de origem estrangeira
Há quem queira sobrepor-se às regras ortográficas
e gramaticais e criar escritas peculiares e normas próprias
de flexão – ou não-flexão –
dos adjetivos pátrios de origem estrangeira, mormente
indígenas e africanos. Incorrem em equívoco
os que assim procedem, como se ramos acadêmicos, em
especial os influenciados por outras línguas, tivessem
autoridade para divergir da norma ortográfica –
decorrente de lei aprovada pelo Congresso Nacional –
e criar padrões de funcionamento da língua.
Em primeiro lugar, lembremo-nos da regra ortográfica
pela qual o fone [s] em posição
medial e o [] (som de “j”) em posição
inicial e medial grafam-se “ç” e “j”,
respectivamente. (Para ler mais, clique aqui.)
É o caso de “açaí”, “jibóia”
e “Seriji”. Lembremo-nos também de que
o alfabeto brasileiro não contém as letras “k”,
“w” e “y”, salvo se a próxima
e prometida reforma ortográfica as restaurar. Por isso,
não cabe grafar “kadiweu” ou “yanomami”.
Nem o argumento de assim ter de se escrever porque assim se
escreve nos idiomas originais procede, uma vez que as línguas
faladas por essas etnias são ágrafas, isto é,
tradicionalmente não têm escrita. Outro argumento,
que não se sustenta, é o de que as grafias com
aquelas letras vão facilitar a leitura em outros países.
Tenham a paciência! Os autores de livros, revistas e
jornais dessas plagas que assim façam, mas não
nos submetamos servilmente a usos alienígenas.
O fato de lingüistas estrangeiros terem elaborado gramáticas
de línguas indígenas brasileiras não
nos obriga a acatar as grafias de seus idiomas de origem,
particularmente o inglês. Estamos no Brasil (alguém
se esqueceu?), cuja língua oficial é o português,
que tem norma ortográfica própria, a ser respeitada.
Ela prescreve que, sempre que possível, devem-se adaptar
ao padrão ortográfico brasileiro as palavras
estrangeiras, inclusive as indígenas, que, embora faladas
por indivíduos nativos, residentes no território
brasileiro, são consideradas estrangeiras em relação
ao português. Por isso, não tem a menor importância
o fato de parte de alguns povos indígenas fixar-se
em território nacional, parte em terras de países
vizinhos nem de ora estarem aqui, ora lá. Então,
escrevamos “cadiuéu”, “caiouá”,
“macuxi” e “ianomâmi”, como
escrevemos, de há muito, “asteca” (e não,
“azteca”), “maia” (e não, “maya”),
“carajá”, “maué” e “iorubá”
(e não, “yoruba”).
Há ainda a questão da letra – maiúscula
ou minúscula – com que se escrevam esses nomes.
Pessoas há que querem, seguindo a moda inglesa,
que eles sejam iniciados com letra maiúscula. O argumento,
equivocado, é o de que o nome com inicial maiúscula
designaria o conjunto da coletividade. Isso não procede.
Se um povo indígena habitasse território autônomo
(como devem querer interesses estrangeiros), este receberia
nome que seus habitantes ou quem quer que fosse daria, como
por exemplo “Taurepânguia” (terra dos taurepangues).
A verdade é que o uso da inicial maiúscula nos
nomes designativos desses povos obedece o modelo inglês.
Outro ponto de discórdia refere-se à flexão
de número dessas palavras. Seguindo costumes alienígenas,
muitos querem que esses nomes não se flexionem e que
se diga “os xavante”, “os bororo”.
Não há alegação racional que sustente
essa prática. A assim proceder, deveríamos,
por coerência, dizer “os francês”,
“os russo” e “os mexicano”, aliás,
como fazem os falantes incultos aqui em nossa terra.
Os adjetivos pátrios – inclusive os substantivados
– flexionam-se segundo as regras a que se submetem os
demais adjetivos. O mestre Napoleão Mendes de Almeida
afirma com propriedade que “as palavras estrangeiras,
usadas em nossa língua, devem adaptar-se, o quanto
possível e o permitir o uso, à forma gráfica
portuguesa; uma vez consolidado o aportuguesamento gráfico
do estrangeirismo, fácil será flexionar-se numericamente”
(ALMEIDA, 1999, 234, 3-5).
Nomes ameríndios, brasileiros ou não, africanos
ou de outras procedências devem, portanto, flexionar-se
no plural sempre que possível. Se pluralizamos “asteca”
(pirâmides astecas, os astecas),
“maia” (cidades maias, os maias),
“inca” (caminhos incas, os incas,
ainda que se questione o uso dessa palavra para denominar
aquele povo), “iorubá” (deuses iorubás,
os iorubás), “hindu” (templos
hindus, os hindus), por
que não fazer o mesmo com “guarani”, ”xavante”,
“carajá”, “bororo”, “ianomâmi”,
“macuxi”? Se por acaso o nome de alguma etnia
indígena terminar com “s”, não há
problema. Fica assim mesmo também no plural, como acontece
com nomes portugueses, como “lápis”, por
exemplo.
O fato é que, em última análise, os
argumentos assestados para justificar usos injustificáveis
acabam disfarçando aquilo que quem é do ramo
facilmente percebe: a sujeição – que repudiamos
– a práticas ortográficas e gramaticais
estrangeiras (leia-se inglesas) em detrimento do vernáculo.
Os venerandos acadêmicos da Academia Brasileira de
Letras deveriam, além do deleite do chá das
cinco, ficar mais atentos ao que se passa com nossa língua
e tomar as providências que não tomam.
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