Dica n.º 158 - Sexta, 29.02.2008
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Grafia e flexão de adjetivos pátrios de origem estrangeira

Há quem queira sobrepor-se às regras ortográficas e gramaticais e criar escritas peculiares e normas próprias de flexão – ou não-flexão – dos adjetivos pátrios de origem estrangeira, mormente indígenas e africanos. Incorrem em equívoco os que assim procedem, como se ramos acadêmicos, em especial os influenciados por outras línguas, tivessem autoridade para divergir da norma ortográfica – decorrente de lei aprovada pelo Congresso Nacional – e criar padrões de funcionamento da língua.

Em primeiro lugar, lembremo-nos da regra ortográfica pela qual o fone [s] em posição medial e o [ž] (som de “j”) em posição inicial e medial grafam-se “ç” e “j”, respectivamente. (Para ler mais, clique aqui.) É o caso de “açaí”, “jibóia” e “Seriji”. Lembremo-nos também de que o alfabeto brasileiro não contém as letras “k”, “w” e “y”, salvo se a próxima e prometida reforma ortográfica as restaurar. Por isso, não cabe grafar “kadiweu” ou “yanomami”. Nem o argumento de assim ter de se escrever porque assim se escreve nos idiomas originais procede, uma vez que as línguas faladas por essas etnias são ágrafas, isto é, tradicionalmente não têm escrita. Outro argumento, que não se sustenta, é o de que as grafias com aquelas letras vão facilitar a leitura em outros países. Tenham a paciência! Os autores de livros, revistas e jornais dessas plagas que assim façam, mas não nos submetamos servilmente a usos alienígenas.

O fato de lingüistas estrangeiros terem elaborado gramáticas de línguas indígenas brasileiras não nos obriga a acatar as grafias de seus idiomas de origem, particularmente o inglês. Estamos no Brasil (alguém se esqueceu?), cuja língua oficial é o português, que tem norma ortográfica própria, a ser respeitada. Ela prescreve que, sempre que possível, devem-se adaptar ao padrão ortográfico brasileiro as palavras estrangeiras, inclusive as indígenas, que, embora faladas por indivíduos nativos, residentes no território brasileiro, são consideradas estrangeiras em relação ao português. Por isso, não tem a menor importância o fato de parte de alguns povos indígenas fixar-se em território nacional, parte em terras de países vizinhos nem de ora estarem aqui, ora lá. Então, escrevamos “cadiuéu”, “caiouá”, “macuxi” e “ianomâmi”, como escrevemos, de há muito, “asteca” (e não, “azteca”), “maia” (e não, “maya”), “carajá”, “maué” e “iorubá” (e não, “yoruba”).

Há ainda a questão da letra – maiúscula ou minúscula – com que se escrevam esses nomes. Pessoas há que querem, seguindo a moda inglesa, que eles sejam iniciados com letra maiúscula. O argumento, equivocado, é o de que o nome com inicial maiúscula designaria o conjunto da coletividade. Isso não procede. Se um povo indígena habitasse território autônomo (como devem querer interesses estrangeiros), este receberia nome que seus habitantes ou quem quer que fosse daria, como por exemplo “Taurepânguia” (terra dos taurepangues). A verdade é que o uso da inicial maiúscula nos nomes designativos desses povos obedece o modelo inglês.

Outro ponto de discórdia refere-se à flexão de número dessas palavras. Seguindo costumes alienígenas, muitos querem que esses nomes não se flexionem e que se diga “os xavante”, “os bororo”. Não há alegação racional que sustente essa prática. A assim proceder, deveríamos, por coerência, dizer “os francês”, “os russo” e “os mexicano”, aliás, como fazem os falantes incultos aqui em nossa terra.

Os adjetivos pátrios – inclusive os substantivados – flexionam-se segundo as regras a que se submetem os demais adjetivos. O mestre Napoleão Mendes de Almeida afirma com propriedade que “as palavras estrangeiras, usadas em nossa língua, devem adaptar-se, o quanto possível e o permitir o uso, à forma gráfica portuguesa; uma vez consolidado o aportuguesamento gráfico do estrangeirismo, fácil será flexionar-se numericamente” (ALMEIDA, 1999, 234, 3-5).

Nomes ameríndios, brasileiros ou não, africanos ou de outras procedências devem, portanto, flexionar-se no plural sempre que possível. Se pluralizamos “asteca” (pirâmides astecas, os astecas), “maia” (cidades maias, os maias), “inca” (caminhos incas, os incas, ainda que se questione o uso dessa palavra para denominar aquele povo), “iorubá” (deuses iorubás, os iorubás), “hindu” (templos hindus, os hindus), por que não fazer o mesmo com “guarani”, ”xavante”, “carajá”, “bororo”, “ianomâmi”, “macuxi”? Se por acaso o nome de alguma etnia indígena terminar com “s”, não há problema. Fica assim mesmo também no plural, como acontece com nomes portugueses, como “lápis”, por exemplo.

O fato é que, em última análise, os argumentos assestados para justificar usos injustificáveis acabam disfarçando aquilo que quem é do ramo facilmente percebe: a sujeição – que repudiamos – a práticas ortográficas e gramaticais estrangeiras (leia-se inglesas) em detrimento do vernáculo.

Os venerandos acadêmicos da Academia Brasileira de Letras deveriam, além do deleite do chá das cinco, ficar mais atentos ao que se passa com nossa língua e tomar as providências que não tomam.

Leia mais em:
Gramática metódica da língua portuguesa, de Napoleão Mendes de Almeida.

Para conhecer opinião contrária:
Povos indígenas no Brasil, in Instituto Socioambiental, disponível em http://www.socioambiental.org/pib/portugues/quonqua/quemsao/nomes.shtm#topo (consultado em 19.02.08).

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