Estarei providenciando
isso amanhã.
O que acha dessa construção, que muitas vezes
ouvimos nos dias que correm? Ela na verdade é mais
um exemplo de gerundismo, o uso abusivo e inadequado do gerúndio,
certamente inspirada em modelo alienígena.
Se o que pretendemos é expressar a realização
de ação futura, a língua portuguesa possui
dois instrumentos eficientes: o futuro simples do indicativo
e a locução verbal constituída
do verbo “ir” no presente do indicativo + verbo
principal no infinitivo não-flexionado ou impessoal.
Assim, podemos dizer “Providenciarei
isso amanhã”, se queremos afirmar categoricamente,
ou “Vou providenciar isso amanhã”,
se desejamos apenas manifestar intenção. No
caso de querermos enunciar ação futura a ser
realizada antes de algum fato também futuro, temos
a disposição o futuro do presente composto:
“Eu já terei providenciado isso
(ação futura ocorrida antes) quando
você passar no escritório”.
É preciso esclarecer que o gerúndio tem empregos
específicos, um dos quais – e o mais freqüente
– é expressar ação em processo
que acontece no momento presente ou que já aconteceu,
como em “Estou-te ouvindo bem”
(algo que acontece neste momento), “Estamos
trabalhando nesse projeto desde janeiro” (ação
continuada e que permanece ocorrendo), “Só sei
que Torres estava pescando hoje de manhã”
e “Essas irregularidades já se vinham
verificando havia meses” (ação
em processo ocorrida no passado). Mais raramente, encontramos
a locução com o verbo auxiliar
no pretérito perfeito do indicativo: “Andei
buscando esse dia” (Cecília Meireles).
Reparamos então que a impropriedade do emprego do gerúndio
na forma verbal contida no título verifica-se por nos
referirmos a ação futura.
Não se trata aqui de pretender frear a marcha evolutiva
da língua, de resto tentativa inútil quando
a maioria dos falantes quer criar ou mudar alguma coisa na
comunicação. Devemos, porém, atentar
para a adequação da nossa expressão verbal
e escolher entre as formas vernáculas
consagradas pelo uso. A língua portuguesa oferece ao
usuário variadas possibilidades para a expressão
do pensamento. Se, mesmo assim, queremos “inventar”,
podemos fazê-lo, mas por nossa conta e risco e dependeremos
da adesão de todo o grupo falante.
Finalmente, se você quiser ler texto bem-humorado a
respeito desse exemplo de gerundismo, clique aqui.
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