Dica n.º 68 - Sexta, 09.11.2001
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Sistema, norma e fala

  Esses termos da Lingüística representam realidades distintas, mas interdependentes. Vejamos:

  • Sistema – Conjunto formado pelas unidades da língua – em uso e ainda possíveis de serem usadas –, que se relacionam segundo regras determinadas. Essas regras são estabelecidas tacitamente pelos próprios usuários e não, pelos gramáticos, que simplesmente as descrevem. Só se verificam alterações no sistema quando há adesão coletiva. É por isso que algumas inovações ficam restritas a um único falante, como o vocábulo “ceguez”, da obra de Guimarães Rosa.         O sistema corresponde à língua ou código lingüístico e consiste no conjunto de possibilidades verbais, muitas das quais (ainda) inexploradas pelos falantes. Assim, em português, enquanto há inúmeras unidades lexicais, como “casa”, “um”, “pertinente” e “profligar”  (todas com seus vários significados), há muitas seqüências de fonemas ainda não utilizadas, à espera de os falantes associarem a elas algum significado, como  “*brina”, “*lagipa” e “*torrigo”. (Os asteriscos indicam formas hipotéticas.) A língua é entidade social, comum aos usuários de todo um grupo falante. Para poder se comunicar com usuário de outro sistema, o locutor (emissor) precisa utilizar código lingüístico de conhecimento pelo menos parcial do seu interlocutor (receptor). Em lugar dos termos “sistema”, “língua” ou “código lingüístico” alguns autores preferem esquema.  
  • Norma – Conceito introduzido pelo lingüista romeno E. Coseriu, que consiste nos padrões de uso, na maneira como os usuários utilizam o sistema ou código lingüístico. Assim, em razão da norma, os falantes valem-se de algumas possibilidades e descartam ou ainda não utilizam outras. É também em função da norma que existem lacunas na língua. Por exemplo, em português, não há nomes coletivos específicos para designar reunião de baleias ou de ostras. É também devido à norma que diferentes regiões de um território utilizam diferentes formas lingüísticas. Assim, os falantes nordestinos designam determinada raiz comestível por “macaxeira”, enquanto os do Centro-Sul a chamam de “mandioca” e “aipim”. (Veja também a pág. Você sabia? n.º 25.)  As crianças muito pequenas e outras pessoas com pouca ou nenhuma escolaridade costumam brindar-nos com “pérolas” que achamos engraçadas e revelam como a norma determina quais formas o grupo deve usar. Por exemplo, assim como diz “corri” e “comi”, a criança acaba dizendo “fazi”. Nada impediria que fosse assim, mas a norma aceita pelo grupo prescreve “fiz”. Há também  frases atribuídas a famosos jogadores de futebol, como esta: “Eu desconcordo com o que você disse”. Sintaticamente, a frase é gramatical e o vocábulo “desconcordo” está construído conforme as regras portuguesas. Entretanto, os falantes sempre preferiram discordo em seu lugar. Coisas da norma.         
  • Fala – É a concretização – tecnicamente, realização – do sistema. É o uso individual da língua por parte dos falantes e é pela fala que ela exerce seu papel de código, de instrumento de comunicação. Assim, quando você emite a seqüência /’agwa/, que se associa ao significado H2O para constituir o lexema ou palavra água, está produzindo fala. Esta se compõe de infinitos atos comunicativos praticados pelos usuários para poderem transmitir pensamentos, sentimentos e exteriorizar seus desejos e necessidades.
Em resumo, a língua ou sistema é entidade abstrata, coletiva e geral, memorizada na mente de todos os falantes de um grupo lingüístico; a norma é padrão grupal de uso,  é o modo como os usuários se valem da língua preferindo certas formas e preterindo outras; fala é a concretização individual do código lingüístico pelos participantes de um ato comunicativo.

Leia mais em:
Curso de Lingüística Geral, de Ferdinand de Saussure.
Dicionário de Lingüística, de Jean Dubois e outros.
Dicionário de Lingüística, de Zélio dos Santos Jota.
Elementos de Lingüística Geral, de André Martinet.
Fundamentos da Lingüística contemporânea, de Edward Lopes.
Introdução aos estudos lingüísticos, de Francisco da Silva Borba.

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