Flexão gradual de substantivos "não-contáveis"
ou "contínuos".
Comentaremos agora aspecto particular da flexão de
grau de certa classe de substantivos, os "não-contáveis"
ou "contínuos", sobre o qual se omitem as
mais conhecidas gramáticas disponíveis no Brasil.
Segundo essas obras, o grau aumentativo e o diminutivo expressam
tamanho - grande (chinelão, orelhona)
e pequeno (chinelinho, orelhinha) em relação
à forma normal: chinelo e orelha - ou
então certa intenção pejorativa (bocarra,
cabeçorra/jornaleco, velhote)
ou valorativa/afetiva (carrão, mãezona/filhinho,
vovozinho). Esses substantivos, porém, enquadram-se
na categoria dos "contáveis" ou "descontínuos",
isto é, expressam unidades que podem ser contadas.
Dessa forma, podemos facilmente contar um chinelo,
dois chinelos; uma orelha, duas orelhas;
um velho, dois velhos; uma mãe,
duas mães; etc. O caso muda de figura quando
se trata de substantivos não-contáveis, como
água, ar, fogo, terra,
cachaça, chope, frio, calor
e assim por diante. Admitiriam eles flexão de grau,
já que não lhes podemos avaliar o tamanho? Como
saber se o ar, o fogo, a terra, a cachaça, o chope,
o frio e o calor são grandes ou pequenos? Isto porque
- com relação à cachaça ou ao
chope, por exemplo - uma coisa é o líquido e
outra é o copo que o contém; este, sim, pode
ser grande ou pequeno. Mesmo assim, por metonímia,
formas como cafezinho são explicáveis,
já que a bebida "café" é servida
em pequenas xícaras. Mas o que dizer de agüinha
e chopinho? Entretanto, vemos em nosso linguajar corriqueiro
expressões como "Vou tomar uma agüinha",
"Está bom o arzinho lá fora",
"O Chico também é da terrinha",
"Quero experimentar aquela sua cachacinha",
"Vamos tomar um chopinho?", "Aqui está
um friozinho gostoso". Observamos, pois, que o
diminutivo de nomes contínuos, no geral, não
expressa tamanho, mas desejo de exprimir intenção
afetiva, carinhosa ou amistosa. Já o aumentativo parece
ora exprimir afetividade (verdão e azulão,
referindo-nos a times de futebol, e Castelão,
Bezerrão, nomes de estádios) ora revelar
grande quantidade mesmo, mas com auxílio da metonímia,
como em: "Que calorão, hem?" e "Deparei
com fogaréu assustador". Repare que o calor
não pode ser grande, pois é sensação
ou qualidade de quente. O que é grande, ou melhor,
elevada é a temperatura, medida em graus. Não
obstante, no lugar de temperatura elevada, dizemos calor
grande ou calorão. Em outras palavras, por
metonímia, em vez do fenômeno físico,
mensurável (temperatura), referimo-nos a seu efeito
(a sensação: calor). Da mesma forma, recorremos
a outra figura de linguagem para dizer fogaréu,
aumentativo de fogo. Este não pode ser grande ou pequeno,
mas sim, sua fonte. Assim, o fogo é parte da fogueira
(monte de lenha em chamas), a qual pode, sim, ser grande ou
pequena: fogueirona ou fogueirinha. Como utilizamos
parte da fogueira (o fogo) no aumentativo - fogaréu
-, valemo-nos agora da sinédoque
para produzir flexão de grau em algo que não
pode ter o tamanho medido. Neste caso, tomamos a parte (fogo)
no lugar do todo (fogueira). Podemos ainda considerar grandes
ou pequenas as chamas, mas não o fogo em si, o fenômeno
da combustão. Agora, recorremos novamente à
metonímia, pois tomamos o abstrato (fogo) no lugar
do concreto (chama). Em resumo: podemos flexionar, quanto
ao grau, substantivos não-contáveis ou contínuos
para exprimir afetividade, pejoratividade ou para expressar
tamanho grande mesmo. Neste caso, valemo-nos de figuras de
linguagem como a metonímia e a sinédoque.
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