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A noção de isotopia
Em Lingüística, "isotopia" (do
grego isos, igual, semelhante, e topos,
plano, lugar) significa plano de sentido, leitura que
se faz de uma frase ou texto. Se, por exemplo, uma frase
permite apenas uma leitura, é dita monoisotópica;
diisotópica se permite duas; triisotópica,
se três; etc. Dessa forma, em "Ganhei esta
caneta do meu pai" e "Nas últimas férias,
descansei bastante" temos duas frases monoisotópicas,
isto é, cada uma com apenas um significado. Em
"Há muito televisor que precisa melhorar
a imagem" e "Ronan, a Márcia
chegou com seu pai", cada frase admite duas
leituras. No primeiro exemplo, imagem = representação
televisionada de pessoas e coisas e também
conceito. No segundo, seu = de Ronan
ou de Márcia. Já em "Empresas
negam oferecimento de propina", temos frase
triisotópica, em que, negam oferecimento
= recusam oferecer; desmentem ter oferecido
e desmentem ter recebido oferecimento. O mesmo
ocorre em "Acadêmicos viram monólitos",
em que viram = flexão do verbo ver,
de virar-1 (transformar-se) e de virar-2
(mudar de posição). A multiplicidade
de planos de sentido é geralmente produzida por
homonímia ou polissemia.
É importante notar que o conceito de isotopia
pertence à Lingüística - particularmente
à Semântica, um ramo seu -, ciência
que descreve os fatos da língua sem impor normas
nem se preocupar com certo e errado. Assim, para a Semântica,
é indiferente se a pluralidade de significados
de uma frase ou texto é produzida intencionalmente
ou não. Entretanto, para a Gramática,
normativa que é, a duplicidade de sentido será
encarada como recurso de estilo se for produzida intencionalmente
com objetivos estéticos ou expressivos. Em caso
contrário, será considerada ambigüidade,
vício sintático, que deve ser evitado.
Um texto também pode permitir - parcial ou totalmente
- mais de uma leitura, isto é, pode ser mono
ou diisotópico, no todo ou em parte. O texto
abaixo é bom exemplo disso:
"Em determinado país, onde, em certa
época, houve carência de mão-de-obra,
o Governo baixou decreto mediante o qual os casais eram
estimulados a ter filhos. Tal decreto também
previa a hipótese de pessoas se casarem e não
conseguirem proliferar. Neste caso, marido e mulher
seriam "auxiliados" por agente destacado pelo
diretor do Programa de Incentivo à Natalidade
ao completarem cinco anos de vida conjugal sem filhos.
Exatamente nessa situação encontrava-se
o casal que travou o seguinte diálogo:
Mulher - Querido, hoje completamos o quinto aniversário
de casamento.
Marido - É... e infelizmente ainda não
tivemos um herdeiro.
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- Será que eles vão enviar
o tal agente?
- Não sei...
- E se ele vier?
- Bem, nada tenho a fazer.
- Eu, menos ainda.
- Já vou sair, pois estou atrasado para o trabalho. |
Logo após a saída do marido, alguém bate
à porta. A mulher atende e encontra um homem à
sua frente. Era um fotógrafo que se enganara de endereço.
Homem - Bom dia! Eu sou...
Mulher - Ah, já sei. Pode entrar.
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- Seu marido está em casa?
- Não, foi trabalhar.
- Presumo que ele esteja a par...
- Sim, está a par e também concorda.
- Ótimo! Então vamos começar?
- Mas...já? Assim tão rápido?
- Preciso ser breve, pois ainda tenho dezesseis casais
para visitar.
- Puxa! O senhor agüenta?
- Agüento sim, pois gosto do meu trabalho. Ele me
dá muito prazer.
- Então, como vamos fazer?
- Permita-se sugerir uma no quarto, duas no tapete, duas
no sofá, uma no corredor, duas na cozinha e a última
no banheiro.
- Nossa! Não é muito?
- Nem sempre se acerta na primeira tentativa.
- O senhor já visitou alguma casa neste bairro?
- Não, mas tenho comigo algumas amostras dos meus
últimos trabalhos. (Mostra fotos de crianças.)
Não são belos?
- Como são lindos esses bebês! O senhor os
fez?
- Sim. Este aqui (mostra uma das fotos) foi conseguido
na porta do supermercado.
- Nossa! Não lhe parece um tanto público?
- Sim, mas a mãe era artista de cinema e queria
publicidade.
- Que horror!
- Foi um dos trabalhos mais duros que fiz.
- Imagino...
- Esta foi feita num parque de diversões, em pleno
inverno.
- Credo! Como o senhor conseguiu?
- Não foi fácil. Como se não bastasse
a neve caindo, havia uma multidão em cima de nós.
Quase não consigo acabar.
- Ainda bem que sou discreta e não quero que ninguém
nos veja.
- Ótimo, eu também prefiro assim. Agora,
se me der licença, vou armar o tripé.
- Tripé???!!! Para quê???!!!
- Bem, minha senhora, é necessário. Meu
aparelho, além de pesado, depois de pronto para
funcionar, mede um metro. |
A mulher desmaiou."
Engraçado, não? Pois é... Mas voltemos
ao assunto sério. Neste texto, a diisotopia manifesta-se
para o leitor, mas para cada personagem as falas são
monoisotópicas. E essa monoisotopia, principalmente para
a mulher, é reforçada por afirmações
do homem como "Ele (o trabalho) me dá muito prazer"
e "Sim". (Ao responder à pergunta se tinha
sido ele quem tinha feito os bebês.) Presumo que você
tenha percebido onde a diisotopia começa: a partir da
fala da mulher "Ah, já sei. Pode entrar".
O estudo do significado das frases pertence à Semântica
Frástica e o dos textos, à Semântica
Transfrástica ou Textual.
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